segunda-feira, 14 de julho de 2014

Dia de Branco.

Será que ninguém trabalha amanhã? Quando eu era criança minha falecida vó dizia: Vamos entrar
que amanhã é dia de branco. Eu cá com meus pensamentos de criança estranhava porque sabia que segunda não era dia de terreiro.  Um dia perguntei a ela: Vó porque você diz que segunda é dia de branco se agente vai na macumba só as quartas? A Dona Olinda achou maior graça me contou que o primeiro dia de trabalho da semana era o dia que o uniforme dos enfermeiros, médicos e marinheiros estavam impecáveis, por isso que os antigos diziam que segunda era dia branco. Depois da idosa me explicar não perdeu a oportunidade de dar boas risadas com as amigas na porta de casa. Isso foi há muito tempo atrás quando os bailes eram matines, as crianças ainda dormiam com canções de ninar, hoje não existe mais esse respeito nem mesmo nos domingos que nossa canção de ninar evoluiu para um estrondoso e ensurdecedor som do batidão. O som do galo que cantava na alvorada e fazia os vizinhos reclamarem já não são nada diante do despertador de rajadas de tiro trocadas entre policiais e bandidos.  Espero um dia ter uma noite de sono mais tranquila, poderia até ser aqui mesmo, espero que um dia em Antares reine a paz. Quando o cessar fogo acontece sei que é hora de levantar,  eu acho que aqui o despertador é diferente não levantamos quando o relógio manda, e sim quando não estamos mais expostos ao perigo. Ai já é hora de correr pra tentar pegar um trem um pouco mais vazio, vou-me as pressas nessa hora, e sou obrigado a pegar a Kombi até a estação, chegando lá,  a fila está quase dando a  volta no mundo, me pergunto mentalmente será que chego a tempo? Isso é insignificante, já estou atrasado mesmo. As pessoas estão tristes parece que a grande maioria trabalha por obrigação não por prazer, o pior de tudo é essa viagem, me sinto como uma das galinhas da Granja do Davi amontoadas naquelas gaiolas superlotadas aguardando seu abate. No meu caso todos os dias penso que vou morrer esmagado, a cada estação mais e mais pessoas se espremem ao ponto dos vagões serem comparados com latas de sardinha, porem exclusivamente hoje poderia até cogitar uma morte por sufocamento pelo bafo da cachaça do pessoal que vai trabalhar de ressaca, tem aqueles que tomaram o trem e esqueceram do banho, nem ao menos um desodorante para aliviar os outros que compartilham o mesmo ambiente ou os que não tomaram café e nem escovaram os dentes, segunda-feira acaba sendo um dia típico para essas podridões. Antes de chegar a Marechal minha camisa já se faz encharcada de suor, pelo menos um alivio, sei que depois de Deodoro não entra mais ninguém porem estou em uma situação desconfortável, preciso  me mexer e remexer e sair daqui,  tem alguém roçando em mim.  Vou tentar bufar, de repente resolva... a reclamação é vã, pois tem sempre alguém gritando: não quer ir no aperto vai de táxi
, todo mundo tá na mesma situação difícil. Ouvi um murmúrio e cheguei a conclusão de que desejava esta no vagão das mulheres. Elas estão lá por causa desses despudorados. São Cristóvão, o trem parou, as pessoas chiaram, alguns forçam as portas logo o pessoal desceu, eu só sigo o fluxo, de forma irônica vejo que eu não tenho querer,  seguir o povo é ser empurrado, arrastado sem alternativas, quando vejo já estou andando pelos trilhos rumo a Central, olho para traz e vejo mais um vagão incendiado pelos revoltosos que mais tarde serão chamados pelo prefeito de vândalos.

Mais um dia chego atrasado ao trabalho e tenho que assumir minha culpa sem te-la. O chefe pergunta por que chegou atrasado? Apesar de ter opções rotineiras para justificativa prefiro dizer que não tenho nada a dizer, pois não acredito que o patrão não leia jornal, não acredito que o patrão não saiba onde eu more e não acredito que o patrão não saiba que minhas únicas alternativas e vir pela Avenida Brasil em um trajeto de quase quatro horas de viagem ou contar com a sorte em trens,já  que ao embarcar em um o cidadão não sabe se vai chegar ao seu destino vivo. Ele sabe de tudo isso, porque já está cansado de escutar as desculpas, e segundo ele são esfarrapadas, diz que minha imaginação é fértil demais. Isso é porque ele mora na parte mais tranquila da selva onde não tem trânsito e o transporte publico é eficiente, se é que algum dia ele precisou de um, o que ele vê na televisão trata como pura ficção e assim foi mais um dia de trajeto do pobre, morador de Antares, que anda de ônibus e trem e mora em lugares tão longe que até Deus duvida que a UPP vá chegar, apesar do BOPE está sempre por lá.

Um comentário:

  1. Excelente meu caro amigo! O cotidiano da gente com o charme de uma crônica mas sem perder a tristeza da realidade.

    Um grande abraço.

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