Será que
ninguém trabalha amanhã? Quando eu era criança minha falecida vó dizia: Vamos
entrar
que amanhã é dia de branco. Eu cá com meus pensamentos de criança
estranhava porque sabia que segunda não era dia de terreiro. Um dia perguntei a ela: Vó porque você diz
que segunda é dia de branco se agente vai na macumba só as quartas? A Dona
Olinda achou maior graça me contou que o primeiro dia de trabalho da semana era
o dia que o uniforme dos enfermeiros, médicos e marinheiros estavam
impecáveis, por isso que os antigos diziam que segunda era dia branco. Depois da
idosa me explicar não perdeu a oportunidade de dar boas risadas com as amigas
na porta de casa. Isso foi há muito tempo atrás quando os bailes eram matines,
as crianças ainda dormiam com canções de ninar, hoje não existe mais esse
respeito nem mesmo nos domingos que nossa canção de ninar evoluiu para um
estrondoso e ensurdecedor som do batidão. O som do galo que cantava na alvorada
e fazia os vizinhos reclamarem já não são nada diante do despertador de rajadas
de tiro trocadas entre policiais e bandidos.
Espero um dia ter uma noite de sono mais tranquila, poderia até ser aqui
mesmo, espero que um dia em Antares reine a paz. Quando o cessar fogo acontece
sei que é hora de levantar, eu acho que
aqui o despertador é diferente não levantamos quando o relógio manda, e sim
quando não estamos mais expostos ao perigo. Ai já é hora de correr pra tentar
pegar um trem um pouco mais vazio, vou-me as pressas nessa hora, e sou obrigado
a pegar a Kombi até a estação, chegando lá,
a fila está quase dando a volta
no mundo, me pergunto mentalmente será que chego a tempo? Isso é insignificante,
já estou atrasado mesmo. As pessoas estão tristes parece que a grande maioria
trabalha por obrigação não por prazer, o pior de tudo é essa viagem, me sinto
como uma das galinhas da Granja do Davi amontoadas naquelas gaiolas
superlotadas aguardando seu abate. No meu caso todos os dias penso que vou
morrer esmagado, a cada estação mais e mais pessoas se espremem ao ponto dos
vagões serem comparados com latas de sardinha, porem exclusivamente hoje poderia
até cogitar uma morte por sufocamento pelo bafo da cachaça do pessoal que vai
trabalhar de ressaca, tem aqueles que tomaram o trem e esqueceram do banho, nem
ao menos um desodorante para aliviar os outros que compartilham o mesmo
ambiente ou os que não tomaram café e nem escovaram os dentes, segunda-feira
acaba sendo um dia típico para essas podridões. Antes de chegar a Marechal
minha camisa já se faz encharcada de suor, pelo menos um alivio, sei que depois
de Deodoro não entra mais ninguém porem estou em uma situação desconfortável,
preciso me mexer e remexer e sair daqui,
tem alguém roçando em mim. Vou tentar bufar, de repente resolva... a
reclamação é vã, pois tem sempre alguém gritando: não quer ir no aperto vai de
táxi
, todo mundo tá na mesma situação difícil. Ouvi um murmúrio e cheguei a
conclusão de que desejava esta no vagão das mulheres. Elas estão lá por causa
desses despudorados. São Cristóvão, o trem parou, as pessoas chiaram, alguns forçam
as portas logo o pessoal desceu, eu só sigo o fluxo, de forma irônica vejo que
eu não tenho querer, seguir o povo é ser
empurrado, arrastado sem alternativas, quando vejo já estou andando pelos
trilhos rumo a Central, olho para traz e vejo mais um vagão incendiado pelos
revoltosos que mais tarde serão chamados pelo prefeito de vândalos.
Mais um dia
chego atrasado ao trabalho e tenho que assumir minha culpa sem te-la. O chefe
pergunta por que chegou atrasado? Apesar de ter opções rotineiras para
justificativa prefiro dizer que não tenho nada a dizer, pois não acredito que o
patrão não leia jornal, não acredito que o patrão não saiba onde eu more e não
acredito que o patrão não saiba que minhas únicas alternativas e vir pela
Avenida Brasil em um trajeto de quase quatro horas de viagem ou contar com a
sorte em trens,já que ao embarcar em um
o cidadão não sabe se vai chegar ao seu destino vivo. Ele sabe de tudo isso,
porque já está cansado de escutar as desculpas, e segundo ele são esfarrapadas,
diz que minha imaginação é fértil demais. Isso é porque ele mora na parte mais
tranquila da selva onde não tem trânsito e o transporte publico é eficiente, se
é que algum dia ele precisou de um, o que ele vê na televisão trata como pura
ficção e assim foi mais um dia de trajeto do pobre, morador de Antares, que
anda de ônibus e trem e mora em lugares tão longe que até Deus duvida que a UPP
vá chegar, apesar do BOPE está sempre por lá.